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O crédito da Seguradora de Crédito deve se submeter à recuperação judicial ou deve ser considerado extraconcursal, podendo ser cobrado em ação individual e sem repactuação?

No último texto, falamos sobre a cláusula que inclui o pedido de recuperação judicial como evento de sinistralidade. Neste texto, iremos tratar das consequências do pagamento da indenização securitária e da sub-rogação da seguradora no crédito do segurado devido por comprador que está em recuperação judicial.

A consequência do pagamento da indenização pela seguradora é a sub-rogação.

A sub-rogação, por sua vez, resumidamente, representa a transferência para a seguradora do direito de ação, privilégios do crédito, garantias etc. que antes pertenciam ao segurado.

Em outras palavras, como a seguradora pagou ao segurado o crédito devido por determinado comprador (em recuperação judicial), ela passa a deter o direito de regressar contra o comprador para, assim, recuperar (ou cobrar) o seu crédito.

A discussão que surge, num cenário de recuperação judicial do comprador (devedor), é se o crédito da seguradora é concursal (ou seja, se submete à recuperação judicial, e, portanto, sujeito à repactuação do crédito, com deságios, carências, etc.) ou se seria considerado não sujeito, permanecendo com as mesmas condições do crédito original e, mais do que isso, podendo ser cobrado de forma individual, em ação própria – extraconcursal.

O primeiro ponto essencial para a compreensão da discussão é entender que a Lei de Recuperação Judicial prevê que apenas se sujeitam à recuperação judicial (com repactuação dos pagamentos), os créditos que existirem ao tempo do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (artigo 49, Lei 11.101/05), de modo que, os créditos novos, que surjam após o pedido de recuperação judicial não são sujeitos e, portanto, podem ser cobrados sem repactuação e de forma individual, em ação própria.

É neste contexto que surgem duas correntes com argumentos sólidos: (i) uma no sentido de que a seguradora teria crédito concursal e, portanto, sujeito à repactuação, prevista no Plano de Recuperação Judicial; (ii) outra no sentido de que seria extraconcursal e, assim, não sujeito à renegociação e passível de cobrança em ação individual.

A primeira corrente fundamenta seu entendimento no fato de que há um artigo do Código Civil (artigo 349) que estabelece que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.

Assim, ainda que a indenização seja posterior ao pedido de recuperação judicial, haveria apenas a “transferência da posição do crédito do segurado para a seguradora”, de modo que, se o crédito do segurado existia antes do pedido de recuperação judicial, por consequência lógica, a seguradora apenas passaria a ocupar esta posição já existente e, portanto, teria crédito, também, sujeito à recuperação judicial (com toda a repactuação do pagamento daí originada).

Neste sentido, pouco importa a data de pagamento da indenização securitária, já que o crédito existe ao tempo da recuperação judicial, e assim, é sujeito a ela. Neste sentido, vale a leitura de precedentes dos Tribunais[1].

Para os que entendem de forma contrária, entretanto, como a indenização paga pela seguradora se dá posteriormente ao pedido de recuperação judicial, o seu crédito passaria a existir depois do pedido e, portanto, seria não sujeito à recuperação judicial e, assim, não sofreria repactuação, além de poder ser cobrado em ação individual.

A justificativa para tal entendimento residiria em dois aspectos:

  • o direito de ação da seguradora surge com o pagamento da indenização (actio nata – ou nascimento do direito de ação), de modo que, antes disso, ela sequer poderia regressar contra o devedor. Assim, se ela somente pode exigir o seu crédito após o pagamento da indenização, então, seu direito de crédito é posterior ao pedido de recuperação judicial, de modo que, em atenção ao artigo 49, da Lei 11.101, seria não sujeito (ou extraconcursal).

 

  • A sub-rogação, neste caso específico, seria sui generis, tal como ocorre, por exemplo, no caso da novação – em que, a aprovação do Plano representa novação com relação à empresa em recuperação judicial, mas não aos coobrigados/fiadores/avalistas que permanecem obrigados pelo crédito originário e não repactuado, pois seria um microssistema específico com regramento próprio;

Com relação a este entendimento, vale a leitura do precedente do STJ sobre o tema, referente à seguro-fiança[2] e precedentes de seguro-garantia[3].

Esta discussão ganhou especial relevância em diversas recuperações judiciais, como no Grupo OAS e, mais recentemente, na recuperação judicial das Americanas, em que, alguns bancos que indenizaram seguro fiança passaram a argumentar que seu crédito seria extraconcursal. A questão não foi julgada pelos Tribunais, diante das partes litigantes terem entrado em acordo.

Como o seguro de crédito ainda é subutilizado no país, os precedentes são escassos, mas valiosos.

Portanto, há argumentos relevantes em ambas as linhas de raciocínio, valendo analisar o caso a caso para entender qual deles é mais fundamentado para a situação específica.  

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[1] TJSP;  Apelação Cível 1096704-25.2018.8.26.0100; Relator (a): Gilberto Leme; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 45ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/09/2019; Data de Registro: 03/09/2019; TJSP;  Agravo de Instrumento 2132629-45.2016.8.26.0000; Relator (a): Carlos Alberto Garbi; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 17/10/2016; Data de Registro: 20/10/2016

[2] STJ; Resp Nº 1.860.368 – SP; Min. Relatora Nancy Andrighi; j. 11/5/2020.

[3] TJSP;  Agravo de Instrumento 2034662-29.2018.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 18/06/2018; Data de Registro: 20/06/2018; TJSP – Agravo de Instrumento 2112161- 94.2015.8.26.0000, Rel. Caio Marcelo Mendes de Oliveira, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 17/02/2016; TJSP;  Agravo de Instrumento 2215125-97.2017.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 21/05/2018; Data de Registro: 22/05/2018